O Círio, é a romaria de uma comunidade
ou população a um santuário "de destino", como paga de uma
"promessa colectiva" ou de uma "promessa antiga", uma
peregrinação, sendo obrigatório o percurso e a passagem por determinados
lugares.
A comunidade através de iniciativas
diversas, como peditórios, arrecada os fundos necessários à realização da
romaria.
No santuário "de destino"
venera-se a imagem de uma santa. Esta imagem ficará à guarda de um dos círios,
isto é, de uma das comunidades envolvidas no culto, em casa do juiz, que também
arrecada e conserva as insígnias e outros bens que fazem parte da romaria.
Este depósito transitório da santa,
geralmente com duração de um ano por cada círio, termina com o transporte em
romaria da imagem até ao santuário.
Para venerar Nossa Senhora do cabo,
estavam agremiadas em Confraria vinte e seis freguesias do termo de Lisboa: S.
Vicente de Alcabideche, S. Romão de Carnaxide, S. Julião do Tojalinho, S. Pedro
de Penaferrim, Nossa Senhora da Misericórdia de Belas, Santa Maria de Loures,
S. Lourenço de Carnide, S. Pedro de Barcarena, S. Pedro de Lousa, Santo Antão
do Tojal, Nossa Senhora da Purificação de Oeiras, Nossa Senhora do Amparo de
Benfica. S. Domingos de Rana, S. João das Lampas, Nossa Senhora da Purificação
de Montelavar, Nossa Senhora de Belém de Rio de Mouro, Nossa Senhora da Ajuda,
Nossa Senhora de Belém, Ascensão e Ressurreição de Cascais, Santíssimo Nome de
Jesus de Odivelas, S. Martinho de Sintra, S. Pedro de Almargem do Bispo, Santo
Estevão das Galés, Nossa Senhora da Conceição de Igreja Nova, S. João Degolado
de Terrugem, S. Saturnino de Fanhões, Santa Maria e S. Miguel de Sintra a que
se acrescentariam outros círios, como os da Caparica, Seixal, Arrentela,
Almada, Palmela, Azeitão e Sesimbra, Setúbal e Coina.
Cada uma destas freguesias tinha à sua
guarda, durante um ano, a réplica da Imagem da Real Capela do Cabo, ficando
obrigada a custear as festas realizadas em sua honra.
A celebração de Nossa Senhora do Cabo
dá-se em Setembro.
O culto de Nossa Senhora do Cabo
sempre foi particularmente acarinhado pelos membros da Família Real Portuguesa,
sabendo-se que os Duques de Bragança (futuro D. João VI) e D. Miguel foram
juízes do círio, respectivamente em 1784, 1796 e 1810.
Também a rainha D. Maria II mandou
fazer uma bandeira com a imagem da Senhora do Cabo bordada a ouro e o frontal
de altar usado na cerimónia de casamento de D. Carlos e D. Amélia de Orléans
pertencia ao santuário do Cabo Espichel.
Todos os anos a Imagem era trazida a
Belém, seguindo depois por via fluvial até à outra margem, onde se organizava o
famoso círio que a acompanhava ao Santuário do Cabo.
Os festejos, a que acorria sempre uma
multidão de romeiros, duravam cinco dias consecutivos, tendo início na
terça-feira que antecedia a Ascensão. Nesse dia, o círio saía de uma
determinada freguesia, que tinha por obrigação depositar a imagem da Senhora do
Cabo na capela de Nossa Senhora das Dores, em Belém.
Na quarta-feira, a imagem atravessava
o rio em direcção a Porto Brandão, sendo transportada por escaleres da Casa
Real e saudada pelas fortalezas com uma salva de vinte e um tiros.
Após o desembarque, formava-se de novo
o cortejo que seguia à beira-mar atá ao santuário do Cabo Espichel, onde a
imagem era aguardada por festeiros e mordomos.
No século XVIII, as festas incluíam
espectáculos de ópera e de touros, aos quais assistia a Família Real. Relata
frei Cláudio:
" Foi o Senhor D. José (...) com toda a Família Real,
A Nossa Senhora do Cabo, fazer a festa do costume, e ahi se fizeram funções
Reaes dignas de tal Monarcha. Mandou este Senhor para comodidade dos Romeiros,
que se armassem barracas por detraz das casas que estão no Arraila da parte do
Sul, as quaes vierão da fundição, e todos ficarão muito bem acomodados. Mandou
dar desasseis bois de bodo, e não quiz que se alterasse nada do costume. Foi
toda a Corte a tão luzida funcção, em que houverão três tardes de toro.
Correndo toda a despeza por conta de sua Magestade, nada mais dependeo a
Confraria do que pagar ao Capellão./ El rei nosso Senhor mandou fazer
concertos, e reparos nas casa precisas, renovou tudo, e enriqueceo a Fabrica
com os ricos ornamentos, bordados (...) que se conservão no Thesouro do Paço de
Belém onde está o mais que tem dado suas Magestades e Altezas quando tem
servido.He digna de memoria a generosidade com que este grande Monarcha
concorreo para se fazer a obra da casa de água, de que necessitava aquela
terra, permittindo fazerem-se humas tardes de touros na Junqueira cujo producto
era applicado para a dita obra, dando o mesmo Senhor do seu bolcinho muitos mil
cruzados."
Segue-se uma descrição da romaria de
1784, em que foi juiz do círio de Queluz o futuro D. João VI:
" Os festeiros embarcavam em Belém nas galeotas e
faluas reais e desembarcavam em Porto Brandão onde o povo os esperavam com
foguetes e morteiros. Enquanto a Torre de Belém dava as salvas de estilo, o
cortejo dirigia-se à Capela onde os "Anjos" três crianças vestida à
romana, cantavam as "loas". Em seguida organizava-se o cortejo a
caminho do Cabo ao som de música, foguetes e repicar do sino pela seguinte
ordem; à frente seguia no meio de grande cavalgada o juiz da festa, empunhando
a bandeira do círio, depois os três "Anjos" montados em cavalos
brancos. Atráz seguia a Berlinda com a Imagem da Santa cercada por cavaleiros
empunhando velas, depois ia o carro com os Padres, outro com procuradores e
finalmente a galera da música. Na cauda seguia o povo em dezenas de carros de
toda a espécie, com os mais variados ornamentos, que formavam uma alegre e
extensa fila."
No século XIX, a ida ao Cabo passou a
realizar-se de quatro em quatro anos sem que, no entanto, se interrompesse a
transferência solene da uma freguesia para outra. A Implantação da República e
a nova mentalidade então vigente quebraram a tradição secular do círio que, na
opinião de muitos autores, se encontrava praticamente extinto desde 1851,
quando Sintra deixou de cumprir as suas obrigações.
Desde então, a Imagem foi vítima de
graves mutilações, para só agora ser restaurada e restituída ao culto.
Como a
distância entre as freguesias era grande, a condução da Imagem fazia-se numa
berlinda (Coche), processional atrelada a duas parelhas e sempre acompanhada de
inúmeros carros, cavalos e lanceiros. Esta Berlinda (Coche/Carruagem),
imponente e artisticamente valiosa é oferecida à Imagem de Nossa Senhora, pela
Família Real Portuguesa, por volta de 1740, pela devoção e padroado da Real
Capela pertencer à Casa do Infantado.
Para finalizar esta pequena análise, em
Alfarim existe ainda hoje uma Rua chamada Rua Alto da Carona, por onde seguia o
sumptuoso cortejo com a Imagem da Senhora, integrando diversos carros, os criados
cedidos pela Casa Real e a própria Família Real, em direcção ao Cabo Espichel.
O povo esperava por boleia ou carona, (um
termo brasileiro, que passou a ser muito utilizado, após o regresso da família real do Brasil), para seguir em peregrinação para o Cabo Espichel.
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