quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A Rua Alto da Carona em Alfarim

O Círio de Nossa Senhora do Cabo foi realizado pela primeira vez em 1430.
O Círio, é a romaria de uma comunidade ou população a um santuário "de destino", como paga de uma "promessa colectiva" ou de uma "promessa antiga", uma peregrinação, sendo obrigatório o percurso e a passagem por determinados lugares.
A comunidade através de iniciativas diversas, como peditórios, arrecada os fundos necessários à realização da romaria.
No santuário "de destino" venera-se a imagem de uma santa. Esta imagem ficará à guarda de um dos círios, isto é, de uma das comunidades envolvidas no culto, em casa do juiz, que também arrecada e conserva as insígnias e outros bens que fazem parte da romaria.
Este depósito transitório da santa, geralmente com duração de um ano por cada círio, termina com o transporte em romaria da imagem até ao santuário.
Para venerar Nossa Senhora do cabo, estavam agremiadas em Confraria vinte e seis freguesias do termo de Lisboa: S. Vicente de Alcabideche, S. Romão de Carnaxide, S. Julião do Tojalinho, S. Pedro de Penaferrim, Nossa Senhora da Misericórdia de Belas, Santa Maria de Loures, S. Lourenço de Carnide, S. Pedro de Barcarena, S. Pedro de Lousa, Santo Antão do Tojal, Nossa Senhora da Purificação de Oeiras, Nossa Senhora do Amparo de Benfica. S. Domingos de Rana, S. João das Lampas, Nossa Senhora da Purificação de Montelavar, Nossa Senhora de Belém de Rio de Mouro, Nossa Senhora da Ajuda, Nossa Senhora de Belém, Ascensão e Ressurreição de Cascais, Santíssimo Nome de Jesus de Odivelas, S. Martinho de Sintra, S. Pedro de Almargem do Bispo, Santo Estevão das Galés, Nossa Senhora da Conceição de Igreja Nova, S. João Degolado de Terrugem, S. Saturnino de Fanhões, Santa Maria e S. Miguel de Sintra a que se acrescentariam outros círios, como os da Caparica, Seixal, Arrentela, Almada, Palmela, Azeitão e Sesimbra, Setúbal e Coina.
Cada uma destas freguesias tinha à sua guarda, durante um ano, a réplica da Imagem da Real Capela do Cabo, ficando obrigada a custear as festas realizadas em sua honra.
A celebração de Nossa Senhora do Cabo dá-se em Setembro.
O culto de Nossa Senhora do Cabo sempre foi particularmente acarinhado pelos membros da Família Real Portuguesa, sabendo-se que os Duques de Bragança (futuro D. João VI) e D. Miguel foram juízes do círio, respectivamente em 1784, 1796 e 1810.
Também a rainha D. Maria II mandou fazer uma bandeira com a imagem da Senhora do Cabo bordada a ouro e o frontal de altar usado na cerimónia de casamento de D. Carlos e D. Amélia de Orléans pertencia ao santuário do Cabo Espichel.
Todos os anos a Imagem era trazida a Belém, seguindo depois por via fluvial até à outra margem, onde se organizava o famoso círio que a acompanhava ao Santuário do Cabo.
Os festejos, a que acorria sempre uma multidão de romeiros, duravam cinco dias consecutivos, tendo início na terça-feira que antecedia a Ascensão. Nesse dia, o círio saía de uma determinada freguesia, que tinha por obrigação depositar a imagem da Senhora do Cabo na capela de Nossa Senhora das Dores, em Belém.
Na quarta-feira, a imagem atravessava o rio em direcção a Porto Brandão, sendo transportada por escaleres da Casa Real e saudada pelas fortalezas com uma salva de vinte e um tiros.
Após o desembarque, formava-se de novo o cortejo que seguia à beira-mar atá ao santuário do Cabo Espichel, onde a imagem era aguardada por festeiros e mordomos.
No século XVIII, as festas incluíam espectáculos de ópera e de touros, aos quais assistia a Família Real. Relata frei Cláudio:
" Foi o Senhor D. José (...) com toda a Família Real, A Nossa Senhora do Cabo, fazer a festa do costume, e ahi se fizeram funções Reaes dignas de tal Monarcha. Mandou este Senhor para comodidade dos Romeiros, que se armassem barracas por detraz das casas que estão no Arraila da parte do Sul, as quaes vierão da fundição, e todos ficarão muito bem acomodados. Mandou dar desasseis bois de bodo, e não quiz que se alterasse nada do costume. Foi toda a Corte a tão luzida funcção, em que houverão três tardes de toro. Correndo toda a despeza por conta de sua Magestade, nada mais dependeo a Confraria do que pagar ao Capellão./ El rei nosso Senhor mandou fazer concertos, e reparos nas casa precisas, renovou tudo, e enriqueceo a Fabrica com os ricos ornamentos, bordados (...) que se conservão no Thesouro do Paço de Belém onde está o mais que tem dado suas Magestades e Altezas quando tem servido.He digna de memoria a generosidade com que este grande Monarcha concorreo para se fazer a obra da casa de água, de que necessitava aquela terra, permittindo fazerem-se humas tardes de touros na Junqueira cujo producto era applicado para a dita obra, dando o mesmo Senhor do seu bolcinho muitos mil cruzados."
Segue-se uma descrição da romaria de 1784, em que foi juiz do círio de Queluz o futuro D. João VI:
" Os festeiros embarcavam em Belém nas galeotas e faluas reais e desembarcavam em Porto Brandão onde o povo os esperavam com foguetes e morteiros. Enquanto a Torre de Belém dava as salvas de estilo, o cortejo dirigia-se à Capela onde os "Anjos" três crianças vestida à romana, cantavam as "loas". Em seguida organizava-se o cortejo a caminho do Cabo ao som de música, foguetes e repicar do sino pela seguinte ordem; à frente seguia no meio de grande cavalgada o juiz da festa, empunhando a bandeira do círio, depois os três "Anjos" montados em cavalos brancos. Atráz seguia a Berlinda com a Imagem da Santa cercada por cavaleiros empunhando velas, depois ia o carro com os Padres, outro com procuradores e finalmente a galera da música. Na cauda seguia o povo em dezenas de carros de toda a espécie, com os mais variados ornamentos, que formavam uma alegre e extensa fila."
No século XIX, a ida ao Cabo passou a realizar-se de quatro em quatro anos sem que, no entanto, se interrompesse a transferência solene da uma freguesia para outra. A Implantação da República e a nova mentalidade então vigente quebraram a tradição secular do círio que, na opinião de muitos autores, se encontrava praticamente extinto desde 1851, quando Sintra deixou de cumprir as suas obrigações.
Desde então, a Imagem foi vítima de graves mutilações, para só agora ser restaurada e restituída ao culto. 
Como a distância entre as freguesias era grande, a condução da Imagem fazia-se numa berlinda (Coche), processional atrelada a duas parelhas e sempre acompanhada de inúmeros carros, cavalos e lanceiros. Esta Berlinda (Coche/Carruagem), imponente e artisticamente valiosa é oferecida à Imagem de Nossa Senhora, pela Família Real Portuguesa, por volta de 1740, pela devoção e padroado da Real Capela pertencer à Casa do Infantado.
Para finalizar esta pequena análise, em Alfarim existe ainda hoje uma Rua chamada Rua Alto da Carona, por onde seguia o sumptuoso cortejo com a Imagem da Senhora, integrando diversos carros, os criados cedidos pela Casa Real e a própria Família Real, em direcção ao Cabo Espichel.
O povo esperava por boleia ou carona, (um termo brasileiro, que passou a ser muito utilizado, após o regresso da família real do Brasil), para seguir em peregrinação para o Cabo Espichel.

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